sexta-feira, 16 de novembro de 2012

Literatura Africana


'Literatura é outra realidade, é minha 

caixa de tesouros', defende Mia Couto

Luna Markman 
O biólogo Mia Couto presenciou os dois primeiros ataques de leões de uma série de 26 casos, ocorridos no ano de 2008, quando visitava a aldeia de Palma, no norte de Moçambique. Os sangrentos episódios eram uma resposta do desequilíbrio ambiental no país africano e o escritor quis transformá-los em ficção, surgindo assim o livro “A confissão da leoa” (Cia das Letras, 2012), a ser lançado com sessão de autógrafos neste sábado (17), às 19h, na Festa Literária Internacional de Pernambuco (Fliporto).
Mia Couto fala sobre literatura e realidade na Fliporto 2012 (Foto: Luna Markman/G1)Mia Couto fala sobre literatura e realidade na Fliporto 2012 (Foto: Luna Markman/G1)
Antes deste encontro com o público, Mia Couto participa no mesmo dia, às 10h, de um painel com o escritor angolano José Eduardo Agualusa, com mediação de Zuleide Duarte, sobre literatura e realidade (com transmissão ao vivo do G1). “Para mim, a literatura é outra realidade, é um território onde eu regresso à minha infância feliz, é a minha grande caixa de tesouros, onde estou autorizado a olhar o mundo de novo como um brinquedo, e eu vivo circulando entre esses dois mundos”, disse.
É que a paixão pela natureza começou cedo. Aos dois anos, António Emílio Leite Couto pediu aos pais para ser chamado de Mia, “pois parecia com o miado dos meus gatos”, explicou. No entanto, optou pela medicina, curso que largou para militar pela libertação de Moçambique, no começo dos anos 1970.

Mia Couto participou da luta pela independência de Moçambique, quando se juntou à Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo). Nunca pegou em uma arma de fogo. A guerrilha insurgente proibia brancos de andarem armados. A arma, desde aquela época, era mesmo a caneta, trabalhando como jornalista durante os anos de batalha.
Hoje, está longe da militância partidária. Desencantou-se com os antigos colegas do front. “Eles mudaram muito rapidamente o discurso. Acho que o desencanto político é geral, em todo o mundo. Esse modo de fazer política com partidos que atuam em nosso nome e nos limitarmos a participar apenas de quatro em quatro anos, na hora de votar, precisa mudar. Uma pessoa com celular e internet consegue agregar muito mais gente que os partidos”, falou.
Mia também afirma que não usa a literatura como forma de ativismo político. “Sei que acabo tomando uma posição, mas não utilizo meus livros para combates. Como cidadão, contribuo hoje fazendo intervenções em escolas, universidades, encontro com jovens, escrevendo para jornais”, comentou com uma voz baixinha, pacata, quase apaziguadora.
Leoas
O livro “A confissão da leoa” foi inicialmente inspirado pelos ataques de leões a pessoas em Moçambique, mas o foco principal da história não ficou nesse assunto. Mia não queria contar uma história africana de forma clichê, cheia de caçadas e animais ferozes. Ele se infiltrou na aldeia de Palma, com a desculpa de estar trabalhando como ambientalista, ganhando intimidade entre os moradores.

“O livro acaba falando muito da condição da mulher, que são muito oprimidas naquele universo rural, não são autorizadas a serem pessoas. Elas foram as principais vítimas, pois vão ao rio buscar água e tomam conta da colheita nos campos. Criei personagens, muitos inspirados em pessoas reais, que me seduziram, que fizeram a história acontecer, porque não arquiteto nada muito definitivo antes de escrever”, contou.
Outra mensagem da obra fere o ego do homem, daquele que se acha a grande espécie da cadeia. “Como turistas, observamos os leões de longe, mas quando saímos da zona de conforto e ficamos sem defesa, percebemos que há um mundo que ainda não governamos e nos sentimos frágeis, o que é fundamental para nós compreendermos a nossa dimensão, que não somos tão importantes quanto achamos”, apontou.

A personalidade do romancista, contista, poeta, jornalista e professor moçambicano depende muito do “Mia biólogo”, que atualmente tem uma empresa que realiza estudos de impacto ambiental em países da África. “Além de ser mais um saber, a biologia é uma forma de me familiarizar com outros seres de que nos afastamos”, falou.
Mia Couto hoje é o escritor de Moçambique mais conhecido no exterior e um dos mais destacados da literatura africana de expressão portuguesa. Em 1999, recebeu o prêmio Vergílio Ferreira pelo conjunto de sua obra e, em 2007 o prêmio União Latina de Literaturas Românicas.

É autor de “Terra Sonâmbula”, considerado um dos dez melhores livros africanos do século XX, “Estórias Abensonhadas”, “Antes de nascer o mundo”, “E se Obama fosse africano?”, “O último voo do flamingo” e “A chuva pasmada”. Mia é também escreveu livros voltados para o público infanto-juvenil, como “O beijo da palavrinha”, “Mal me quer” e “O gato e o escuro”.

Fonte: G1

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