segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

Os Segredos dos Bons Alunos



Todo pai quer que seu filho vá bem na escola. Só querer não basta. A seguir, oito lições de crianças que se destacam nos estudos.
Revista Época - por Camila Guimarães

Não há pai ou mãe que não sonhe com isso: que seu filho vá bem na escola, encontre uma vocação e faça sucesso. É por isso que os pais brasileiros, ouvidos em uma pesquisa do Movimento Todos Pela Educação, disseram participar com afinco da vida escolar de seus filhos. Essa participação, porém, tem suas falhas - como mostra um detalhamento da pesquisa de 2009, feito com exclusividade para Época. Em alguns casos, há falta de tempo (a queixa mais comum de quem tem filho em escola particular). Em outros, o principal obstáculo é o desconhecimento do conteúdo ensinado (para quem tem filho em escola pública).
A pesquisa também detectou conceitos ultrapassados de como impulsionar o conhecimento. A maioria dos pais presta demasiada atenção às notas e preocupa-se menos em estimular a leitura ou acompanhar se a criança está aprendendo.

Em outras palavras: há mais cobrança que incentivo. É como se os pais considerassem que sua tarefa principal é garantir o acesso à escola - a partir daí, a responsabilidade seria dos professores. Isso é pouco, principalmente num país que não tem avançado satisfatoriamente na área da educação. O nível de ensino das escolas brasileiras, mesmo as de eleite, é baixo, na comparação com os países mais avançados. Um relatório do Ministério da Educação, ainda incompleto, mostra que atingimos apenas um terço do Plano Nacional de Educação, entre 2001 e 2008. A evasão escolar no ensino médio aumentou de 5% para 13%. Só 14% dos jovens estão na universidade. Menos de um quinto das crianças de até 3 anos frequenta creches.
E, no entanto, há ilhas de excelência. Há alunos brilhantes, curiosos, esforçados, interessados, capazes. Não estamos falando de superdotados. São meninos e meninas comuns, de colégios públicos e particulares, pobres ou ricos, que vão para a escola e...aprendem. Mais: formam-se. Estão no caminho de se tornar cidadãos melhores, pessoas melhores, gente de sucesso. Fazer com que uma criança seja assim não está inteiramente ao alcance dos pais. Pesquisas mundiais mostram que o envolvimento paterno responde por, no máximo, 20% da nota final. O restante seria determinado pela qualidade da escola, a relação com os professores, a influência dos colegas,e claro, seu próprio talento. Mas há, em cada um desses fatores, também a influência dos pais. Cabe a eles analisar a escola, monitorar os professores, perceber o ambiente em que seu filho vive, estimular-lhe os talentos naturais. Talvez não seja possível fabricar bons alunos. Mas, como atestam as experiências dos garotos e das garotas desta reportagem, há boas receitas para ajudá-los a descobrir esse caminho.

• 1 O poder do incentivo
O menino Pedro Manzaro seria um perso­nagem improvável para uma reporta­gem sobre bons alunos. Aos 7 anos, ele começava o 3º ano sem saber escrever direito e com falhas de leitura. Em breve iniciaria aulas de reforço, com pouco resultado. Pe­dro era um retardatário na turma de alfabe­tização. Naquele momento, a diretora do colégio, de uma rede particular de São Paulo, chamou seus pais para uma conversa. Era preciso agir. Quando estão aprendendo as letras, as crianças têm um "cllque", um mo­mento muito pessoal a partir do qual a escrita e a leitura deslancham. O "cllque" de Pedro estava demorando demais.
Que pai não ficaria apreensivo com uma situação dessas? Foi como Andréia e Sidnei Manzaro se sentiram. Mas logo trataram de agir. A estratégia foi usar a leitura - o meni­no adorava livros, vivia com eles embaixo do braço, apesar da dificuldade de entendê­los. Na casa da família, já havia a tradição de cada criança (Pedro tem dois irmãos mais novos) ter seu "dia de filho único", quando os pais ficam só com ele. Durante a recuperação de Pedro, que levou um ano, seus dias de filho único eram sempre pas­sados dentro de livrarias. Andréia passou a ler os livros de aventura, gênero favorito de Pedro, para conversar com ele sobre os vaivéns dos heróis das histórias (ela pegou gosto: está lendo agora o segundo livro da série Píppi Meialonga, sobre uma garota que viaja pelo mundo e odeia a escola).
Hoje. Pedro é considerado um aluno aci­ma da média. Não é um colecionador de no­tas 10. Mas isso não preocupa ninguém. "O principal é ele gostar do que está fazendo", afirma Andréia. O sucesso foi resultado de um esforço conjunto. A escola lhe deu aten­ção especial, com correção cuidadosa dos textos. O hábito da leitura fez outro tanto. Ler estimula a capacidade de compreen­der um texto, é um hábito fundamental na formação de seres pensantes. Está entre os quatro fatores comuns aos melhores alunos, segundo uma pesquisa feita pelo Ministério da Educação em 2007 (os outros são fazer lição de casa, ter atividades extra­curriculares e pais engajados).
O terceiro impulso, cruclal, para a recupe­ração de Pedra foi a torcida dos pais. O in­centivo e os elogios deles ajudaram a cons­truir autocontlanca e gosto pelo esforço. "A
gente vivia dizerdo para ele: 'Filho, olha o que você conseguiu!"', diz Andréia. O elogio é capaz de transformar. Mas é preciso ter cuidado com ele. Há uma ciência em seu
uso. Segundo pesquisas americanas, crian­ças que recebem congratulações por seu desempenho e seu talento tendem a ficar mais preguiçosas e menos criativas. Aparentemente, ficam com medo de arriscar, porque um fracasso destruiria a imagem que conquistaram. Crianças que recebem elogios por seu trabalho duro, pelo esforço despendido para chegar àquele resultado têm reação inversa. Tornam-se mais per­sistentes, desenvolvem gosto pelo risco. E. quando fracassam, atribuem isso a um es­forço insuficiente, não à incapacidade. Foi o que aconteceu com Pedro. "Mesmo com os sucessivos erros, nunca ouvi o Pedro se recusar a escrever um texto", diz Beatriz Loureiro, a professora que acompanhou sua recuperação.
• 2 O prazer de aprender
Guilherme Ortolan, de 9 anos, tem dificuldade de passar para a próxima fase. Não na escola. Essa ele tira de letra. O problema de Guilherme é que, quando joga um de seus games preferidos com o pai, esquece o objetivo. "Ele para o jogo para me dizer que a classificação de um dos bichos na tela stá errada: aquele dinossauro não pode ser herbívoro e viver naquela parte da floresta se tem dentes tão pontiagudos, típicos dos carnívoros'; diz o pai, tam­bém Guilherme. A paixão do menino pelos dinossauros começou cedo. Ele nem era alfabetizado. Os pais souberam estimular seu interesse. Começaram comprando lagartos de brinquedo. Depois vieram os livros. E as pesquisas na internet. E os recortes de jornais e revistas (muitos deles presenteados pelos professores). A família inteira ficou envolvida pela mania, e Guilherme acabou virando "especialista'. Quando vai brincar com seus dinossauros, ele os organiza por período geológico. Ou por hábitos alimentares.
Esse processo mostra como uma paixão ajuda a estimular a criatividade, ensina a pesquisar por conta própria, tirar conclusões, fazer conexões. Se os pais e professores não sabem reconhecer e es­ timular as paixões naturais das crianças, se insistem para ela "largar de bobagens e se concentrar no que é sério", inibem o aprendizado, em vez de promovê-lo. Com Guilherme, aconteceu o contrário. "O repertório dele é superior ao dos colegas'; diz Maria Isabel Gaspar, coor­denadora pedagógica da escola em que ele estuda, em Ribeirão Preto, interior de São Paulo. "Não são raras as vezes em que ele já tem informações sobre o que está sendo ensinado na sala de aula."
Esse tipo de aluno - capaz de fazer associações e reflexões mais sofisti­cadas - as melhores universidades do país procuram. Em seus vesti­bulares, elas evoluíram da cobrança de acúmulo de informações para a capacidade de solucionar problemas. O Enem, a prova unificada de seleção aplicada pelo Ministério da Educação, segue a mesma linha.
• Orgulho do resultado
Nem sempre o prazer de aprender vem da paixão por algo específico. Muitas vezes, trata-se do prazer de fazer bem feito, uma espécie de orgulho de ter realizado algo. Esse perfeccionismo move Gabriela Vergili, de 13 anos. Na primeira semana de aula, no mês pas­sado, ela e a irmã mais nova, Geovana, chegaram em casa, em São Paulo, com a mesma tarefa (embora estejam em sé­ries diferentes, ambas têm um professor em comum). Elas tinham de descobrir em que data cairia o Carnaval deste ano. Como sempre, as duas sentaram no mesmo horário para fazer o dever (a regra, na casa de dona Mércia, sua mãe, é fazer a lição logo depois do almoço). Geovana, eficiente, descobriu logo a data pedida: 16 de fevereiro. E foi brin­car. Gabriela demorou mais. Pesquisou na internet, na enciclopédia Larousse, voltou para a internet. E escreveu um longo texto sobre Quaresma, Equinócio, fases da Lua e concílios religiosos. "A disciplina e a organização da Gabriela a ajudam a 'aprender a aprender' qualquer coisa", afirma Luís Junqueira, professor dela no ano passado. "Por isso ela é tão versátil: tem texto redondo, sabe fazer um documentário em vídeo, vai bem na aula de artes e até na educação física."
Essa disciplina é um ponto de honra para Mércia. Ela sempre foi rigorosa com os estudos das filhas. Além do horário da lição, à noite ela e o marido chegam do trabalho e tiram dúvidas das crianças. Quando a escola passa uma pesquisa, manda ler um livro, Mércia acompanha por telefone se as obrigações foram cumpridas. Essa rigidez - acompanhada do exemplo, senão o efeito pode ser o oposto - cria comprometimento com o estudo. "Quase sempre a criança vai bus­car em casa como ela vai se relacionar com a vida acadêmica", diz Débora Vaz, pedagoga e diretora de um colégio particular de São Paulo. Gabriela é concentrada para fazer seus deveres, cumpre o combinado com os professo­res, respeita o sinal da escola, devolve o livro da biblioteca dentro do prazo.
Como mostra a pesquisa do MEC de 2007, o dever de casa é outro ponto em comum entre os bons alunos. Vários estudos comprovam que a lição de casa ajuda a assimilar conteúdos. Também é a forma mais fácil de verificar o aprendi­zado dos filhos. Por isso, os pais devem se envolver - mas não muito. A lição de casa tem de ser feita apenas pelo aluno. "É quando a criança está sozinha para lidar com todo o conhecimento que adquiriu em sala e vai decidir o que fazer com ele", diz Harris Cooper, um acadê­mico da Universidade Duke, Carolina do Norte, que há mais de 20 anos estuda a relação dos pais com a lição de casa. 
• Resistência a frustrações
Outra forma de a disciplina se manifes­tar é na resiliência. O termo designa a propriedade de um corpo de voltar à forma original depois de sofrer uma defor­mação. Por extensão, passou a ser usado por psicólogos como a capacidade de uma pessoa se recobrar de episódios ruins ou resistir a dificuldades. Em geral, a resiliên­cia é alimentada pela determinação, uma característica encontrada em grande parte dos bons alunos. Um exemplo é Leandro Siqueira, de 16 anos. Ele acorda às 4h30. Pega um trem em Cosmos, Zona Oeste, a região mais pobre do Rio de Janeiro, rumo ao Centro Federal de Educação Tecnológi­ca Celso Fukow Fonseca (Cetet), uma das melhores escolas técnicas do país. Sai de casa sem tomar café - ou não chegaria a tempo à primeira aula, às 7 horas. Leandro faz a primeira refeição do dia às 12h30, no intervalo do período integral. Chega em casa às 20h30, janta e estuda até as 22 horas. Como seu quarto é pequeno, e a sala geralmente está ocupada, Leandro usa a varanda para ter a concentração de que precisa.
A maratona massacrante se justifica. Quando entrou na escola técnica, numa vaga que disputou com 50 candidatos, Leandro sentiu um baque. Ele sempre havia sido bom aluno, mas o desnível em relação à escola pública de onde vinha era grande demais. Pegar recuperação em três disciplinas não foi o pior. Pelas regras da escola, quem é reprovado duas vezes é expulso. Leandro teve medo de perder sua conquista. "Eu me cobrava muito e ficava pensando no dinheiro que meu pai gasta para eu estar aqui todo dia e almoçar", afir­ma, logo depois do almoço num restauran­te a quilo, onde gastou R$ 11. Suas notas se estabilizaram acima da média graças à severidade de seu plano de estudos, que inclui mais algumas horas de caderno aos domingos, assistido por uma tia professo­ra de matemática. Os pais de Leandro, um
instalador de gás desempregado e uma dona de casa, estudaram até a 8ª série. Não conseguem ajudá-lo com os estudos. Mas não poderiam dar lição melhor que o sacrifício que fazem para lhe dar a oportunidade de um bom estudo.
Será possível incutir determinação em alguém? Em termos. A resiliência é, provavelmente, uma característica da personalidade. Mas os pais podem influenciar. Em geral, fazem isso para o lado errado. "Vemos muitos pais lenientes, enchendo seus filhos de facilidades". afirma Maria Lúcia Saba­tella,. uma educadora especialista em crianças superdotadas. O resultado são crianças mimadas, com pouca resis­tência a frustrações. E uma tendência a desistir ante as dificuldades. Por isso, em seu programa dedicado a localizar bons alunos na rede pública, os pais também recebem aulas. Eles aprendem a estimular seus filhos e, especialmente, a não boicotá-Ios. "Temos de ensiná-Ios a formar indivíduos autôno­mos, independentes". diz Sabatella.
• O gosto da competição
Os trigêmeos Joeverton, Joemerson e Joebert de Oliveira Maia, de 12 anos, foram medalhistas na Olimpíada Brasi­leira de Matemática das Escolas Públicas (OBMEP) no ano passado. Joeverton foi medalha de ouro, Joemerson e Joebert fi­caram com o bronze. Não é preciso dizer que eles são o orgulho do pai, José Jorge Maia, chefe da família de classe média baixa que vive na periferia de João Pessoa. Professor de matemática da rede pública da Paraíba, tudo o que José conseguiu até hoje foi com esforço: a casa onde mora e ter criado os três filhos só com seu salário, já que sua mulher, Selma, também professora, parou de trabalhar para cuidar dos bebês. "Sobrevivo com tudo o que aprendi na es­cola. É só isso que eu tenho e é isso que eu quero garantir para meus filhos", diz.
Não é só discurso. José e Selma dão aos trigêmeos, todos os dias, três horas extras de aula, além da lição de casa. É como um treino de atletismo, com esforço repetitivo. José copia provas de olimpíadas de matemática antigas e dá como treino para os meninos. A vontade de vencer, atingir metas mais altas, destacar-se é um pode­roso incentivo para os estudos. "Os me­lhores alunos não têm medo do desafio", diz Suely Druk, diretora da OBMEP.
As aulas, no terraço da casa simples da família, não são apenas de matemática. Incluem ciências, português e história. Os meninos não se incomodam em suar a camisa. "Sempre foi assim aqui em casa", diz  Joemerson, O reforço ajuda a compensar as deficiências da escola municipal onde estão matriculados no 8º ano do ensino fundamental. "Queria que a escola puxas­se mais. Estamos sem professor de história e de inglês", diz Joebert.
A postura de José faz com que os filhos não enxerguem a escola como um fardo, mas como solução. Os três querem se for­mar em engenharia da computação. Informática passou a ser a paixão dos meninos depois que Joemerson ganhou um com­putador num concurso de redação, há dois anos. De lá para cá, têm como passatempo navegar em redes de relacionamento, bate­ papo e sites de jogos, como qualquer pré­-adolescente. A diferença é que eles só fazem isso depois dos estudos.
• Pensamento solto
Um caminho alternativo, quase oposto ao da persistência dos trigê­meos Joebert, Joemerson e Joeverton, é a aposta na criatividade. Trata-se de, em vez de perseguir notas, liberar a imaginação. Pode-se construir uma argumentação forte contra a ênfase do sistema de ensino nas notas. Quando uma pessoa (criança, jovem ou adulto) se concentra em demasia no grau que receberá por um trabalho, deixa de apreciar o valor intrínseco dele. Em boa medida, a importância dada à nota é subtraída da alegria de aprender.
Por isso é tão revitalizante observar crianças como Larissa Silvestre, de 9 anos, descobrindo o mundo, formulando con­ceitos, brincando. "A Larissa sempre foi criativa", afirma sua professora de artes, Maria Luisa de Godoy. "Se eu pedia para ela recortar uma árvore, numa aula sobre contornos, ela me vinha com um varal cheio de roupas. Se eu ensinava a fazer uma peteca de sucata, em cinco minutos a peteca virava outro brinquedo."
Sua mãe, Arlete de Epifânia, estudou até a 4ª série e é cozinheira há 13 anos em uma casa de um bairro nobre de São Paulo. No ano passado, entrou pela primeira vez em um museu, quando a escola de Larissa convidou os pais a acompanhar os filhos numa visita ao Museu de Arte de São Paulo (Masp). "Nunca imaginei que existisse um lugar como aquele e que minha filha fosse ca­paz de fazer o que ela fez ali", diz Arlete. De lá para cá, quando tem tempo livre, ela tenta fazer programas que envolvam algum tipo de atividade artística. Se não dá, ajuda a filha a costurar roupinhas para suas bonecas.
Parecem atividades que têm pouco a ver com as disciplinas escolares. Não é assim. A sensibilidade de Larissa para as artes faz dela uma criança observadora - o que a favorece na hora de resolver um problema de matemática ou associar fatos históricos. Segundo Maria Lúcia Sabatella, especialista em crianças super­dotadas, gente criativa é extremamente concentrada. "Os grandes inventores, os maiores estrategistas, nos negócios ou na guerra, não fazem a sequência lógica de raciocínio", diz. "Eles são criativos. Seu caminho para chegar à resposta pode até ser mais longo. Mas é singular."
Esse argumento é contrário à má ima­gem dos alunos que ficam "rabiscando o papel" em vez de estudar a sério para a prova. "A produção artística exige do aluno um esforço que pode ser maior do que nas outras disciplinas", afirma Paulo Portella, coordenador do Serviço Educativo do Masp. "A criatividade das artes exige construção de conheci­mento - e não a simples repetição deles". Uma criança com pendor para as artes pode ter um caminho de sucesso até maior que o de um aluno "certinho", em áreas menos conven­cionais. Ou pode levar vantagem no próprio campo do estudo. Larissa, por exemplo, diz que não quer ser artista quando crescer. Ela quer ser veterinária.
• A inspiração de alguém
Todo mundo tem alguém que admira. Pode ser a mãe, um professor, uma personagem histórica. Essa figura nos faz almejar ser melhor. Isso também é verda­de nos estudos. Quase todo bom aluno tem um professor inspirador, um parente que quer imitar, um bom exemplo. Felipe Brum, de 10 anos, morador de Brasília, tem dois: seu avô materno, Ribamar Ferreira, e Bruno, seu irmão mais velho. Ribamar é engenheiro e serve de inspiração para Feli­pe desde que, numa visita à construção de uma pousada da família na Bahia, mostrou­-lhe que a matemática serve para construir coisas. "Quero construir robôs para ajudar a salvar a humanidade do desmatamento", diz o menino. "Para fazer meu robô, sei que vou ter de estudar engenharia." Bruno, seu irmão mais velho, também segue a carreira do avô. Passou no vestibular com 16 anos. "Eu também quero passar na UnB", diz Felí­pe, sem saber direito o que significa a sigla, da Universidade de Brasilia. Seu plano para conseguir a vaga já está em prática. Estuda duas horas todos os dias e tem como meta a nota mínima 8.
A rotina de estudos de Felipe foi organi­zada pela mãe, Isabella, para que o menino superasse suas dificuldades de aprendiza­do. Há dois anos, ele foi diagnosticado com transtorno de déficit de atenção (TDA). lsa­bella, que é médica, mudou seus horários para se dedicar aos estudos do filho. O irmão mais velho também ajuda. "Ele me estimula a aplicar os cálculos em tudo o que faço", diz Felipe. "Nunca imaginei que para construir computadores a gente usava matemática."
Ter o avô e o irmão como heróis é a mo­tivação de Felipe. "São muitos os casos em que ter um referencial, um exemplo a ser se­guido, é determinante para a motivação do aprendizado", afirma Quézia Bombonatto, presidente da Associação Brasileira de Psicopedagogia. "Estimular isso é válido, mas com o cuidado de respeitar a individuali­dade da criança." Porque pode acontecer o contrário: a criança se sentir intimidada pela figura de sucesso e se frustrar ao não conse­guir ser como ela.
Não parece ser o caso de Felipe. No ano passado, ele tirou 9,6 em matemática, disci­plina em que tinha ficado em recuperação no ano anterior. "Agora só quero boas notas, sei que isso ajuda a passar rápido no vestibular, como foi com o Bruno." 
• Planos de mudar o mundo
Para que serve a escola? Em parte, ela é a instituição conformista por natureza. É lá que aprendemos os meios e modos do mundo, as tradições de nossa cultura, o que devemos fazer para ter sucesso, de acordo com as expectativas da sociedade. Mas ela é, também, o lugar do exercício das possibilidades. É nela que aprende­mos a pensar por conta própria. Uma boa educação inclui a capacidade de questio­nar, experimentar, criar. Um traço comum entre maus alunos é que seus interesses estão fora da escola. Mas esse é também um traço comum entre os bons alunos. A única diferença é que os maus alunos perseguem seus interesses em detrimento do estudo. Os bons mesclam suas atividades ao estudo. Com isso, ganham capacidade critica, vivência, experiência.
No ano passado, Marcelo Monteiro, de 16 anos, dedicou boa parte de seu tempo livre a um projeto especial: recuperar a ima­gem do grêmio estudantil do colégio onde cursa o 3º ano do ensino médio, em Porto Alegre. Sua função como primeiro secretário era negociar com a diretoria atividades para os alunos e melhorias na escola, tarefa complicada dada a reputação do grêmio até então. As gestões anteriores deixaram a organização quebrada. Ao assumir, Marcelo e seus colegas de chapa encontraram a sede pichada, sofás depre­dados, computador quebrado. "Tivemos de reconquistar a confiança do diretor e dos coordenadores para emplacar nossos proje­tos", diz ele. Para reformar a sede, arrecadou dinheiro com os alunos (cobrando pelo serviço de fazer carteirinhas de estudantes) e pais de alunos (enviou cerca de 1.500 boletos opcionais no valor de R$ 20 para o endereço residencial dos colegas. Mais da metade dos pais depositou o dinheiro).
Também organizou uma campanha para mobilizar o colégio a participar de uma espécie de gincana. O prêmio, dado para a escola com o maior número de inscritos, era um computador. Levou. No final do ano, já com a sede reformada e o prestígio do grêmio recuperado, Marcelo conseguiu autorização da diretoria para fazer um festival de música. Cada convida­do levou 1 quilo de alimento, doado para entidades carentes. "Não sei quanto deu no final, mas lotamos a Kombi que a escola nos emprestou para fazer a entrega."
Mesmo tão ocupado com articulações estudantis e organização de eventos, Mar­celo está no topo das notas de sua turma. Vai tentar o vestibular para Direito. "Ele não tem medo de se meter em encrencas", diz um de seus professores, Ivanor Reginatto, no colégio há 25 anos. "Nem todo bom aluno questiona tanto quanto Marcelo, mas essa sua capacidade o coloca entre os melhores." De certa forma, Marcelo segue os passos de seus pais, Marisa e Rui. Ambos participaram de grêmios estudantis no colégio e na faculdade. Durante cinco anos, presidiram a Associação de Pais e Mestres onde Marcelo estuda. "Tentamos passar a ideia de que se engajar em atividades fora da sala de aula daria a ele a base que vai definir seu futuro profissional e pessoal", diz a mãe. "Eles me ensinaram a priorizar o diálogo, a discutir questões que acho importantes", diz Marcelo. É para isso que serve a educação. Para atuar no mundo. 
• "Bons alunos fazem lição sozinhos"
Harrls Cooper, o psicólogo americano diz que há o jeito certo para os pais acompanharem a lição dos filhos e dá dicas de como evitar que a hora do dever vire um transtorno.
O professor Harris Cooper, do Departamento de Psicologia e Neurociência da Duke University, nos Estados Unidos, é especialista em lição de casa. Ele estuda o assunto há mais de 20 anos, analisando qual é o impacto que um dever de casa benfeito tem no desempenho escolar do aluno. É significativo. Mas o efeito só será positivo se os pais se envolverem - e da maneira certa. O papel da família se limita a monitorar e dar o exemplo. Fornecer respostas prontas ou ensinar a matéria para os filhos pode ser pior do que não fazer nada. 



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